quinta-feira, 21 de junho de 2012

LINHA IMAGINÁRIA

Na mesma entrevista a Maria Abreu disse não apenas não saber apontar seus melhores poemas, como ter "até um fraco por certos versos pobres de pé quebrado, incuráveis". -E como se sente na passagem dos sessenta anos - ela perguntou. -Não sinto nada. A linha dos sessenta, como a dos cinquenta ou dos quarenta anos, é uma linha imaginária, como a do Equador: o navio não dá o mínimo solavanco quando a gente a atravessa. (Retirado do livro: "Ora bolas- O humor de Mário Quintana").

FÃZINHA

Uma professora primária ligou para Quintana. Tinha uma aluninha que queria muito conhecê-lo. Será que poderia levá-la para vê-lo na redação do Correio? Claro que sim. Apareceram as duas. -Esse é o Mário Quintana - apresentou a professora. Feitos os cumprimentos, a menina ficou quieta, olhando para o poeta, que soltava baforadas do cigarro para o alto, fazia algum comentário bobo, às vezes parecendo que saía do ar. E foram embora. Algumas horas depois, liga a professora, com uma história que Mário gostava de contar, às gargalhadas: -Quer saber o que a menina disse a seu respeito? "Ele é bonito, mas parece meio pateta". (Retirado do livro: "Ora bolas- O humor de Mário Quintana").

GAGÁ

Festas pelos setenta anos. A TV Globo mandou do Rio de Janeiro uma repórter para entrevistá-lo. Ingênua e desinformada, tratou-o como um velho gagá, cheia de diminutivos e perguntas bobas. Mario ficou uma fera. Mais tarde, conversando com a amiga Madalena Wagner, desabafou: -Veio aqui hoje uma moça me entrevistar. Não entendeu que estou meio surdo mas que minha cabeça está ótima. E ela, em plena posse de suas faculdades mentais, nem desconfia que já nasceu morta. (Retirado do livro "Ora Bolas - O humor de Mário Quintana

SHAKESPEARE

A Coletânea era um corredor ocupado por livros, revistas e jornais,em um ponto nobre da Rua da Praia, diante da praça da Alfândega e ao lado do Largo dos Medeiros. Lugar de encontro de intelectuais e leitores que marcou época na Porto Alegre dos anos 60, tinha em Quintana um visitador diário. Arnaldo Campos, o dono, um dos livreiros mais respeitados da cidade, colecionador de edições históricas, estava por perto no dia em que uma jovem senhora ficou radiante ao reconhecer Quintana como o ilustre folheador ao seu lado. Observou-o algum tempo, aproximou-se. Aparentemente sem saber de que forma fazer a melhor abordagem, identificou-se como professora e foi fundo: -Poeta, o que devo ler para entender Shakespeare? Com o dedo indicador preso no meio do livro que estava examinando, Quintana orientou, imperturbável e honestamente: -Shakespeare, minha filha! (Retirado do Livro "Ora bolas - O humor de Mário Quintana")

CHATOS METAFÍSICOS

A conversa continua e a moça apoiada nos tantos poemas de Quintana sobre a morte, insiste em interrogá-lo sobre essas questões de céu, infinito, eternidade. Ele aproveita: -Acho que o céu deve ser muito chato porque lá tem chatos de todos os séculos. Talvez seja melhor aqui, pois aqui a gente só aguenta os chatos da geração da gente. (Retirado do Livro "Ora bolas - O humor de Mário Quintana")

Vales

Na época em que trabalhava na Editora Globo ele andava sempre duro. Como o salário terminava antes do fim do mês, vivia pedindo vales de adiantamento. Até que um dia o caixa chiou: -Mas seu Mário, o senhor já tem um monte de vales! Quis saber com aquele sorriso maroto: -Afinal, são vales ou são montes? (Retirado do Livro "Ora bolas - O humor de Mário Quintana"):