sábado, 21 de julho de 2012

O verdadeiro artífice do espetáculo.

"8 Não faz sentido retomar as velhas controvérsias sobre a hierarquia, sobre quem é o verdadeiro artífice do espetáculo: o autor, o diretor, o ator, o artista plástico - e qual é o âmbito admissível de suas competências. No teatro é artífice aquele que em um dado concreto espetáculo o é efetivamente. E as competências criativas de um homem de teatro são exatamente aquelas que ele conseguir garantir-se na prática. A arte é regida, com efeito, pelo critério da eficácia. Nenhuma fronteira (rígida) pode ser aqui considerada seriamente. A arte no fundo é mais a superação das prerrogativas." Página 45 do livro: "O teatro laboratório de Jerzy Grotowski 1959-1969".

Teatralidade versus a lógica corrente da vida

"7 No espetáculo, durante um monólogo prático o ator está plantando bananeira. Os estranhos nos perguntam: "por quê?" qual o objetivo dessa esquisitice? porque o ator está plantando bananeira?" Respondemos: na realidade, o detalhe deve ser justificado pela estrutura da totalidade, nada no espetáculo pode aparecer por acaso; são de rigor a lógica e a coerência da forma. Portanto, por exemplo, na cena do louco monólogo está de cabeça para baixo o monstruoso burocrata Pobiedonóssikov - o absurdo das palavras transformou-se no absurdo da situação. O elemento acrobático justificou-se na lógica da forma, evidentemente, a seu modo diversa da lógica ocasional de cada dia. O teatro burguês identifica a lógica da forma com a lógica corrente da vida e desta maneira falseia ambas. Em cena, o ator (no teatro burguês) está sentado, come, caminha, cospe, fuma, tosse, tamborila com os dedos na mesa, agita a perna, faz perguntas, responde, medita. E se estas atividades são justificadas, em linhas gerais, por alguma circunstância da vida ("a lógica da vida"), considera-se habitualmente que tudo já esteja absolutamente em ordem. Mas o teatro se rege pelas leis da teatralidade. No teatro exige em igual medida "justificativa" o fato de alguém estar em pé assim como o fato de alguém estar de cabeça para baixo. Tanto em um caso como no outro, vige a lógica da forma, caso contrário o teatro não é composição, não é estrutura, isto é, não é arte. No teatro, tudo aquilo que está deveria ser teatro. Ou então, é não necessário. Se alguém no espetáculo faz um gesto ou executa alguma ação, é preciso perguntar: o que é no espaço - só um movimento "natural" ou um movimento artístico, teatral, um elemento da composição, uma construção, uma micropantomima? A palavra falada se é só dizer a palavra (mesmo com o pensamento, mesmo com a intenção) não é ainda algo de artístico, não é teatro. Onde está o som-matéria da composição? O som da palavra é para o teatro forma. Se não se confirma na totalidade da partitura (sonora e rítmica) é extra teatral." Página 45 do Capítulo "Farsa- Misterium (tese)- Materiais teóricos de trabalho para uso estritamente interno", do livro "O teatro laboratório de Jerzy Grotowski 1959-1969".

sexta-feira, 20 de julho de 2012

O teatro e seus populares rivais

"No entanto, sabe-se, o teatro é suplantado por formas de espetáculos mais atraentes e de massa, como o cinema e a televisão. O teatro deve defender-se, mas só poderá defender-se encontrando aquelas formas que provem a sua especificidade e a sua necessidade, descobrindo funções tais em que não será a cópia de nenhum dos seus mais populares rivais. A única arma do teatro é a teatralidade. A ela tendiam, um tempo atrás, as pesquisas dos expoentes da Grande Reforma. Essas pesquisas, desperdiçadas por causa de numerosas circunstâncias desfavoráveis, ainda hoje, em um tempo pouco propício para o teatro, deveriam ser continuadas. Observou-se que, depois de ter eliminado um a um os outros fatores, o único elemento no teatro que não seja nem artes plásticas, nem literatura e nem esteja ao alcance do filme, é o contato humano vivo, a ligação entre o ator e o espectador. Para reforçar essa ligação, trabalhou-se desde os tempos de Reinhardt. E ainda há muito o que fazer" L. Flaszen sobre o Teatro das 13 filas nos materiais do Instituto Internacional do Teatro, ITI. "O teatro laboratório de Jerzy Grotowski 1959-1969" página 49.

A literalidade versus a teatralidade

"4 O teatro burguês é anticonvencional, é antes a busca da literalidade. Todavia isso não quer dizer que o teatro burguês não se sirva das convenções, ao contrário, criou todo um esquema de convenções próprias. Mas o teatro burguês serve-se de convenções como de um mal inevitável e justamente nisso está a sua anticonvencionalidade, a não teatralidade. Alguém quer mostrar em cena, por exemplo, "as ondas agitadas do Ocenao", mas não dispõe das possibilidades de construir uma piscina de dimensões adequadas, substitui o oceano por figurantes, fechados dentro de sacos e que se balançam com um movimento rítmico. Lidamos aqui com um princípio não teatral (anticonvencional), porque a convencionalidade deriva neste caso da falta de meios técnicos para realizar a literalidade. E, ao contrário, se colocamos em cena "as ondas agitadas do Oceano" dessa maneira, porque as pessoas fechadas dentro dos sacos e que se balançam "como o Ocenao" nos interessam teatralmente ("nos divertem") quer dizer que (ao contrário do que ocorre no teatro burguês) raciocinamos em termos teatrais. Página 43 do livro "O teatro laboratório de Jerzy Grotowski 1959-1969", 2ª edição.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

"A união (dialética) de espontaneidade e disciplina"

"Um outro exemplo: "a união (em uma versão diferente: a dialética) de espontaneidade e disciplina". Essa fórmula famosa tem um sentido rigorosamente técnico. O ato do ator compõe-se das reações vivas do organismo, da "corrente dos impulsos visíveis" no corpo. Todavia, para que esse processo orgânico não se desvie no caos, é necessária a estrutura que o canalize, a partitura composta do movimento e do som. Essa presença simultânea de dois elementos opostos favorece a tensão interior que potencializa a expressividade do ator. Espontaneidade, disciplina - nessas palavras podemos chegar a sentir também máximas de vida ou princípios éticos. No fundo ressoa Heráclito: "Aquilo que se opõe converge, e a mais belas das tramas forma-se dos divergentes; e todas as coisas surgem segundo a contenda". Esse aforismo do legendário pensador era pintado na entrada da sala do Teatro Laboratório na época da nossa gênese." Primeiro parágrafo da página 30 do prefácio "De mistério a mistério: Algumas considerações em abertura" de Ludwik Flaszen do livro "O teatro laboratório de Jerzy Grotowski 1959-1969", 2ªdição.