sexta-feira, 30 de novembro de 2012

O erro na experimentação artística

"O erro é inerente ao processo da pesquisa experimental em arte. Experimentar demanda certo desapego de certezas e uma considerável disponibilidade para vivenciar erros. Em arte o erro é compartilhado e exposto na experiência coletiva, tanto em sala de aula quanto nos ensaios. Segundo Medeiros, o erro torna necessária a aprendizagem do desapego com a própria criação, outro fator essencial para a permanente renovação do saber. O erro pode e deve ser visto em sua possibilidade de promover acertos, pois, ao se permitir errar, erra-se menos. Além disso, errar propicia o aparecimento de ideias não pré-concebidas. Fazer-se dono do erro é justamente a apropriação que permite transformá-lo em ideia produtiva para a criação artística." Retirado da tese de doutoramento de Mônica Ribeiro, professora do curso de teatro da UFMG: "CORPO, AFETO E COGNIÇÃO na Rítmica Corporal de Ione De Medeiros - entrelaçamento entre ensino de arte e ciências cognitivas - pg 92".

Arte, ciência e cognição

"De acordo com Efland (2004), a abordagem cognitiva propiciou, por um lado, a valorização da arte como modo de conhecimento, mas, por outro, corroborou a ideia de que somente a ciência poderia promover um tipo de conhecimento válido. A arte era considerada puro entretenimento e, portanto, desprovida de importância nos processos educacionais, dado que não incrementaria o desenvolvimento cognitivo. No entanto, alguns filósofos, como Susanne Langer e Nelson Goodman, questionaram a matematização dessa manipulação simbólica, dado que na arte o símbolo porta ambiguidades e não segue a lógica da razão. Esses filósofos incluíram a experiência estética na capacidade de simbolização do homem e, desse modo, disseram que a arte produz um tipo de conhecimento específico. Langer (2004[1942]) propõe a arte como criação de formas simbólicas representativas do sentimento humano e diz que o conhecimento intuitivo é oposto ao linguístico, ao diferenciar os símbolos linguísticos ─ próprios da linguagem ─ dos presentacionais, característicos da arte. Apesar de Langer apontar a possibilidade de se pensar na importância da materialidade corporal na construção do conhecimento em arte por via dos símbolos presentacionais, ela ainda está vinculada à concepção de símbolos do sentimento como afeto separado da cognição. Goodmann (2006[1968]), para quem os símbolos abrangem não somente letras e palavras, mas também textos, imagens, mapas e símbolos pictóricos não verbais, propõe a teoria geral dos símbolos para estudar modos e meios de referência para a construção de conhecimento em arte. O sistema de símbolos, segundo Goodmann (2006 [1968]), é governado por regras sintáticas e semânticas e, apesar de tal sistema não se restringir à linguagem das palavras, ele a tem como modelo caracterizador dos diversos modos artísticos. Interessado nas implicações psicológicas das distintas competências simbólicas relacionadas a diferentes sistemas de símbolos, esse autor diz que as obras de arte proporcionam conhecimento das coisas, dado que a arte é um dos modos de obtenção do conhecimento, e a estética um ramo da epistemologia que busca explicar como se constrói 28 esse tipo de conhecimento. Para esse filósofo, compreender é interpretar e advém da leitura de obras." Retirado da tese de Mônica Ribeiro, professora do curso de teatro da UFMG
: "CORPO, AFETO E COGNIÇÃO na Rítmica Corporal de Ione De Medeiros - entrelaçamento entre ensino de arte e ciências cognitivas - pg 27".

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Diferença da fala e do canto

"Qual a diferença entre a fala e o canto ou a recitação musical, mesmo aquela que se aproxima ao máximo da entonação da fala comum? A principal diferença, segundo Bondi, está no fato de que no canto e na recitação a altura¹ de determinada sílaba permanece inalterada, independentemente do tempo de duração da sílaba, enquanto na fala, todas as sílabas tônicas mudam invariavelmente de altura durante a pronúncia. ¹Altura A posição de um som determinável em relação a uma frequência referencial ou diapasão (...)." O JOGO MUSICAL NO TEATRO DE MEIERHOLD PRINCÍPIOS E PROCEDIMENTOS NOS PLANOS DA ATUAÇÃO, ENCENAÇÃO E DRAMATURGIA Dissertação de Raquel Castro de Souza

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Levitação

"A escrita tornou-se então fluida, e tanto que às vezes me sentia escrevendo pelo puro prazer de narrar, que é talvez o estado humano que mais se parece à levitação". Gabriel García Marquez no prólogo:"Por que doze, por que contos e por que peregrinos" do livro "Doze contos peregrinos".

sábado, 21 de julho de 2012

O verdadeiro artífice do espetáculo.

"8 Não faz sentido retomar as velhas controvérsias sobre a hierarquia, sobre quem é o verdadeiro artífice do espetáculo: o autor, o diretor, o ator, o artista plástico - e qual é o âmbito admissível de suas competências. No teatro é artífice aquele que em um dado concreto espetáculo o é efetivamente. E as competências criativas de um homem de teatro são exatamente aquelas que ele conseguir garantir-se na prática. A arte é regida, com efeito, pelo critério da eficácia. Nenhuma fronteira (rígida) pode ser aqui considerada seriamente. A arte no fundo é mais a superação das prerrogativas." Página 45 do livro: "O teatro laboratório de Jerzy Grotowski 1959-1969".

Teatralidade versus a lógica corrente da vida

"7 No espetáculo, durante um monólogo prático o ator está plantando bananeira. Os estranhos nos perguntam: "por quê?" qual o objetivo dessa esquisitice? porque o ator está plantando bananeira?" Respondemos: na realidade, o detalhe deve ser justificado pela estrutura da totalidade, nada no espetáculo pode aparecer por acaso; são de rigor a lógica e a coerência da forma. Portanto, por exemplo, na cena do louco monólogo está de cabeça para baixo o monstruoso burocrata Pobiedonóssikov - o absurdo das palavras transformou-se no absurdo da situação. O elemento acrobático justificou-se na lógica da forma, evidentemente, a seu modo diversa da lógica ocasional de cada dia. O teatro burguês identifica a lógica da forma com a lógica corrente da vida e desta maneira falseia ambas. Em cena, o ator (no teatro burguês) está sentado, come, caminha, cospe, fuma, tosse, tamborila com os dedos na mesa, agita a perna, faz perguntas, responde, medita. E se estas atividades são justificadas, em linhas gerais, por alguma circunstância da vida ("a lógica da vida"), considera-se habitualmente que tudo já esteja absolutamente em ordem. Mas o teatro se rege pelas leis da teatralidade. No teatro exige em igual medida "justificativa" o fato de alguém estar em pé assim como o fato de alguém estar de cabeça para baixo. Tanto em um caso como no outro, vige a lógica da forma, caso contrário o teatro não é composição, não é estrutura, isto é, não é arte. No teatro, tudo aquilo que está deveria ser teatro. Ou então, é não necessário. Se alguém no espetáculo faz um gesto ou executa alguma ação, é preciso perguntar: o que é no espaço - só um movimento "natural" ou um movimento artístico, teatral, um elemento da composição, uma construção, uma micropantomima? A palavra falada se é só dizer a palavra (mesmo com o pensamento, mesmo com a intenção) não é ainda algo de artístico, não é teatro. Onde está o som-matéria da composição? O som da palavra é para o teatro forma. Se não se confirma na totalidade da partitura (sonora e rítmica) é extra teatral." Página 45 do Capítulo "Farsa- Misterium (tese)- Materiais teóricos de trabalho para uso estritamente interno", do livro "O teatro laboratório de Jerzy Grotowski 1959-1969".

sexta-feira, 20 de julho de 2012

O teatro e seus populares rivais

"No entanto, sabe-se, o teatro é suplantado por formas de espetáculos mais atraentes e de massa, como o cinema e a televisão. O teatro deve defender-se, mas só poderá defender-se encontrando aquelas formas que provem a sua especificidade e a sua necessidade, descobrindo funções tais em que não será a cópia de nenhum dos seus mais populares rivais. A única arma do teatro é a teatralidade. A ela tendiam, um tempo atrás, as pesquisas dos expoentes da Grande Reforma. Essas pesquisas, desperdiçadas por causa de numerosas circunstâncias desfavoráveis, ainda hoje, em um tempo pouco propício para o teatro, deveriam ser continuadas. Observou-se que, depois de ter eliminado um a um os outros fatores, o único elemento no teatro que não seja nem artes plásticas, nem literatura e nem esteja ao alcance do filme, é o contato humano vivo, a ligação entre o ator e o espectador. Para reforçar essa ligação, trabalhou-se desde os tempos de Reinhardt. E ainda há muito o que fazer" L. Flaszen sobre o Teatro das 13 filas nos materiais do Instituto Internacional do Teatro, ITI. "O teatro laboratório de Jerzy Grotowski 1959-1969" página 49.

A literalidade versus a teatralidade

"4 O teatro burguês é anticonvencional, é antes a busca da literalidade. Todavia isso não quer dizer que o teatro burguês não se sirva das convenções, ao contrário, criou todo um esquema de convenções próprias. Mas o teatro burguês serve-se de convenções como de um mal inevitável e justamente nisso está a sua anticonvencionalidade, a não teatralidade. Alguém quer mostrar em cena, por exemplo, "as ondas agitadas do Ocenao", mas não dispõe das possibilidades de construir uma piscina de dimensões adequadas, substitui o oceano por figurantes, fechados dentro de sacos e que se balançam com um movimento rítmico. Lidamos aqui com um princípio não teatral (anticonvencional), porque a convencionalidade deriva neste caso da falta de meios técnicos para realizar a literalidade. E, ao contrário, se colocamos em cena "as ondas agitadas do Oceano" dessa maneira, porque as pessoas fechadas dentro dos sacos e que se balançam "como o Ocenao" nos interessam teatralmente ("nos divertem") quer dizer que (ao contrário do que ocorre no teatro burguês) raciocinamos em termos teatrais. Página 43 do livro "O teatro laboratório de Jerzy Grotowski 1959-1969", 2ª edição.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

"A união (dialética) de espontaneidade e disciplina"

"Um outro exemplo: "a união (em uma versão diferente: a dialética) de espontaneidade e disciplina". Essa fórmula famosa tem um sentido rigorosamente técnico. O ato do ator compõe-se das reações vivas do organismo, da "corrente dos impulsos visíveis" no corpo. Todavia, para que esse processo orgânico não se desvie no caos, é necessária a estrutura que o canalize, a partitura composta do movimento e do som. Essa presença simultânea de dois elementos opostos favorece a tensão interior que potencializa a expressividade do ator. Espontaneidade, disciplina - nessas palavras podemos chegar a sentir também máximas de vida ou princípios éticos. No fundo ressoa Heráclito: "Aquilo que se opõe converge, e a mais belas das tramas forma-se dos divergentes; e todas as coisas surgem segundo a contenda". Esse aforismo do legendário pensador era pintado na entrada da sala do Teatro Laboratório na época da nossa gênese." Primeiro parágrafo da página 30 do prefácio "De mistério a mistério: Algumas considerações em abertura" de Ludwik Flaszen do livro "O teatro laboratório de Jerzy Grotowski 1959-1969", 2ªdição.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

LINHA IMAGINÁRIA

Na mesma entrevista a Maria Abreu disse não apenas não saber apontar seus melhores poemas, como ter "até um fraco por certos versos pobres de pé quebrado, incuráveis". -E como se sente na passagem dos sessenta anos - ela perguntou. -Não sinto nada. A linha dos sessenta, como a dos cinquenta ou dos quarenta anos, é uma linha imaginária, como a do Equador: o navio não dá o mínimo solavanco quando a gente a atravessa. (Retirado do livro: "Ora bolas- O humor de Mário Quintana").

FÃZINHA

Uma professora primária ligou para Quintana. Tinha uma aluninha que queria muito conhecê-lo. Será que poderia levá-la para vê-lo na redação do Correio? Claro que sim. Apareceram as duas. -Esse é o Mário Quintana - apresentou a professora. Feitos os cumprimentos, a menina ficou quieta, olhando para o poeta, que soltava baforadas do cigarro para o alto, fazia algum comentário bobo, às vezes parecendo que saía do ar. E foram embora. Algumas horas depois, liga a professora, com uma história que Mário gostava de contar, às gargalhadas: -Quer saber o que a menina disse a seu respeito? "Ele é bonito, mas parece meio pateta". (Retirado do livro: "Ora bolas- O humor de Mário Quintana").

GAGÁ

Festas pelos setenta anos. A TV Globo mandou do Rio de Janeiro uma repórter para entrevistá-lo. Ingênua e desinformada, tratou-o como um velho gagá, cheia de diminutivos e perguntas bobas. Mario ficou uma fera. Mais tarde, conversando com a amiga Madalena Wagner, desabafou: -Veio aqui hoje uma moça me entrevistar. Não entendeu que estou meio surdo mas que minha cabeça está ótima. E ela, em plena posse de suas faculdades mentais, nem desconfia que já nasceu morta. (Retirado do livro "Ora Bolas - O humor de Mário Quintana

SHAKESPEARE

A Coletânea era um corredor ocupado por livros, revistas e jornais,em um ponto nobre da Rua da Praia, diante da praça da Alfândega e ao lado do Largo dos Medeiros. Lugar de encontro de intelectuais e leitores que marcou época na Porto Alegre dos anos 60, tinha em Quintana um visitador diário. Arnaldo Campos, o dono, um dos livreiros mais respeitados da cidade, colecionador de edições históricas, estava por perto no dia em que uma jovem senhora ficou radiante ao reconhecer Quintana como o ilustre folheador ao seu lado. Observou-o algum tempo, aproximou-se. Aparentemente sem saber de que forma fazer a melhor abordagem, identificou-se como professora e foi fundo: -Poeta, o que devo ler para entender Shakespeare? Com o dedo indicador preso no meio do livro que estava examinando, Quintana orientou, imperturbável e honestamente: -Shakespeare, minha filha! (Retirado do Livro "Ora bolas - O humor de Mário Quintana")

CHATOS METAFÍSICOS

A conversa continua e a moça apoiada nos tantos poemas de Quintana sobre a morte, insiste em interrogá-lo sobre essas questões de céu, infinito, eternidade. Ele aproveita: -Acho que o céu deve ser muito chato porque lá tem chatos de todos os séculos. Talvez seja melhor aqui, pois aqui a gente só aguenta os chatos da geração da gente. (Retirado do Livro "Ora bolas - O humor de Mário Quintana")

Vales

Na época em que trabalhava na Editora Globo ele andava sempre duro. Como o salário terminava antes do fim do mês, vivia pedindo vales de adiantamento. Até que um dia o caixa chiou: -Mas seu Mário, o senhor já tem um monte de vales! Quis saber com aquele sorriso maroto: -Afinal, são vales ou são montes? (Retirado do Livro "Ora bolas - O humor de Mário Quintana"):