terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Casa


"Sábado, resolveram jogar fora o sofá. Segunda, jogaram a televisão. Quarta à noite, a geladeira. Hoje, querem retirar todas as camas. Estão todos lá, entulhados no quintal da casa. Ainda não conseguiram se livrar deles totalmente. Os vizinhos, que antes eram indiferentes, agora fazem visitas. Cada um traz um presente. estão todos guardados no quarto, sendo aberto aos poucos. Vieram substituir as camas. Algumas paredes foram derrubadas, janelas estão sendo construídas- sem vidros, que é pra ventilar melhor. A filha chora por causa das mudanças, diz que tem medo, que agora, com a casa sem paredes, a mula-sem-cabeç virá pegá-la. O irmão mais velho diz que vai protegê-la e ela, aos poucos, vai parando de chorar. Na cozinha começa a nascer um ipê, as orquídeas apontam para lhe fazer companhia. A filha ficou responsável por alimentar as pombas, que se alojaram na sala. Agora, todas as tardes, a família se reúne com os vizinhos, para juntos, poderem apreciar o pôr-do-sol." (Ana Cristina Colla. "Diário de trabalho", 1993.

Trecho retirado do livro "A arte de não interpretar como poesia corpórea do ator" de Renato Ferracini.

Nenhum comentário: