sexta-feira, 25 de julho de 2008

A arte de ator



Recebi este texto da professora Silvana Stein(Grupo Galpão Cine Horto-BH) da oficina de voz-o corpo e a palavra no teatro-Estudo da voz para o teatro,no ano passado.Retirado da Revista do Lume:

A Arte de Ator

Luis Otávio Burnier Lume

Yan,alma para os índios.Estaria ela perdida,esquecida, ou em simples e imperceptível transformação?Uma transformação que por não ser muito percebida,vem a ser perigosa. Como lutar contra o que sequer percebemos,contra o que não se sabe? Será possível ter consciência daquilo que não se percebe?
A arte trabalha antes de mais nada com a percepção.Seu poder principal não está em o quê quer dizer,mas no como. Quando atinge sua percepção,é que ela revoluciona. E no inconsciente que encontramos nossa particularidade, nossa indibidualidade, mas também os elos que nos atam uns aos outros.É a arte quando logra atingir nosso inconsciente, nossa percepção profunda, vasculha um universo equiparável ao dos sonhos, dos pesadelos, como desejou Artaud.
Mas para atingir este universo interior, subjetivo, perceptivo, a arte precisa fazer uso de instrumentos materiais objetivos. Com freqüencia se diz que o instrumento de trabalho do ator é o seu corpo. Não podemos transformar um defunto em ator. O corpo não é algo, e nossa pesoa algo distinto. O corpo é a pessoa. A alma o anima,mas sem ele não seríamos pessoas, mas anjos. Tampouco é o corpo vivo o instrumento de trabalho do ator. A arte é algo que está em vida, ou seja, algo que irradia uma vibração, uma presença. É o corpo-em-vida,como prefere Eugênio Barba, o instrumento do ator. Existem no entanto .Como nota o próprio Barba, pelo menos duas dimensões deste corpo-em-vida: a dimensão física e mecânica e a dimensão interior. As duas formam uma unidade. Esta unidade, no âmbito do trabalho do ator nem sempre é ou pode ser trabalhada como tal. Ela deve ser vista não como um ponto de partida:mas como ponto de chegada. Pode-se, e é às vezes necessário, trabalhar estas dimensões separadamente.
No entanto,não se pode perder de vista a unidade. Trabalhar tão somente a dimensão física e mecânica seria formar jovens belos e fortes, mas não necessariamente atores: trabalhar apenas a dimensão interior poderia ser terapêutico, mas tampouco formaria atores. Uma não existe sem a outra, mesmo que o enfoque possa estar momentaneamente centrado em uma ou outra destas duas dimensões. A imagem usada por Artaud é novamente bem vinda: atletas afetivos.
Se o corpo não é tão somente corpo, mas corpo-em-vida, então ele é o canal por meio do qual o ator entra em contato com aspectos distintos de ser ser gravado em sua memória. O corpo não tem memória, ele é memória, como disse Grotowski. Trabalhar um ator é, sobretudo e antes de mais nada, preparar seu corpo não para que ele diga, mas para que ele permita dizer. Não mostrar o que ele é, mas revelar o que, por meio dele , se descobre ser. Ser artista é antes de mais nada se predispor a revelar . A revelação pede generosidade e coragem. Uma máscara pode mesquinha e covardemente esconder ou revelar, dilatando o que não se vê. Depende de como ela é usada. Um corpo também. Podemos nos esconder atrás de nosso corpo, de maneira a deixá-lo belo, e isto não ser senão uma forma de escamotear o que temos medo de ser ou demonstrar. Ou, ao contrário, por meio do corpo podemos revelar o que somos e sentimos. O artista descobre por meio de sua arte o sentido de suas coisas. Ele não diz o sentido,nos permite descobrir um sentido. E paradoxalmente, este sentido não está em outro lugar se não em nós mesmos. O artista e sua arte abrem, portanto, caminhos que nos permitem entrar em contato com nossa própria percepção profunda, com algo que existe em nós e está adormecido, esquecido.A arte não é senão uma viagem para dentro de nós mesmos, um reatar contato com recantos secretos, esquecidos, com a memória.
A busca do ator, assim como a de todo artista que quer algo mais do que um simples reconhecimento social e econômico, é a incontestável tentativa de reavivar a memória.A verdadeira técnica da arte do ator é aquela que consegue esculpir o corpo e as ações físicas no tempo e no espaço:acordando memórias, dinamizando energias potenciais humanas, tanto para o ator como para o espectador.

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